Comecei a pensar em artistas em cujas obras estes elementos estivessem presentes de uma forma explicita, uma vez que - penso eu podermos afirmar - ninguém pinta sem pontos, linhas, cores (ou ausência dela), formas, etc.…, ou seja, qualquer que seja a obra, um ou vários destes elementos têm de estar presentes. Donis A. Dondis parece também corroborar desta opinião, ou então sou eu que corroboro da sua opinião, de qualquer forma, o autor, na obra intitulada Elementos da Comunicação Visual, refere que:
Todos estes são pintores modernistas. Artistas de uma época em que as mudanças culturais eram tão constantes que nem deixavam amadurecer a anterior.
Como o próprio artista refere na sua obra Do Espiritual na Arte (1910), a corrente abstraccionista apareceu de repente, não foi algo premeditado, ainda que lhe tenha parecido, desde logo, naquele momento, que os objectos não só não eram necessários à pintura como até a prejudicavam:
“Uma tarde (…), mergulhado nos meus pensamentos, ao abrir a porta do estúdio, encontrei-me de repente perante uma tela horizontal de beleza indescritível e incandescente. Intrigado, parei a contemplá-la. Parecia-me um quadro sem tema, pois não descrevia qualquer objecto identificável e era totalmente composto por manchas coloridas. Finalmente, aproximei-me mais e só então reconheci o que na verdade era aquilo: o meu próprio quadro, posto de lado no cavalete… Uma coisa que se me tornou manifesta: que a objectividade, a descrição de objectos, não era necessária nas minhas pinturas e até as prejudicava.”
Nesta aguarela, as linhas são maioritariamente finas, adquirindo mais dinamismo à medida que dirigimos a nossa atenção do lado esquerdo para o lado direito do quadro, linhas estas que, pela direcção diagonal e curva que descrevem, imprimem na tela um certo movimento circular.
Este movimento pode ainda ser acompanhado e, simultaneamente, evidenciado pelas formas circulares e ovais predominantes no quadro, formas estas que não sei bem o que são, mas que também não é importante saber, podem ser tudo o que quisermos consoante a nossa interpretação, e esse era o objectivo de Kandinsky: criar algo que não fosse objectivo, pois “as imagens figurativas perdem muita da força expressiva que, por si mesmas, possuem, pois somos incapazes de as dissociar do significado do objecto.” Eu sei apenas que são circulares e que, pela sua forma, comunicam visualmente comigo, o que não será certamente fácil de fazer.
Quanto às cores, na parte superior do quadro, predominam cores mais fortes, associadas a pinceladas mais largas e fluidas, parecendo também mais rápidas, enquanto que na parte inferior do mesmo, as cores reapresentadas são mais claras e as pinceladas mais curtas e finas.
As linhas, as cores e as formas também as diferentes escalas destas últimas fazem com que a parte superior do quadro seja a que, inicialmente, mais atrai o observador, conferindo à obra uma certa dinâmica que cada um apreende de variadas formas.
Lembro-me de estar a observar este quadro com uma amiga. Ficámos paradas em frente a ele durante exactamente o mesmo tempo. Para ela, as cores e as formas estavam em perfeita sintonia, tudo era harmonioso, quase que havia música nesta tela. Para mim, também havia música, mas não havia harmonia. Era como se as formas circulares, maiores ou menores, estivessem sempre aqui a rodopiar incessantemente, agitadamente, e de repente, quando olhávamos para elas, elas parassem imediatamente esse jogo da “apanhada” e fingissem ser muito bem-comportadas. Ainda hoje tenho esta sensação quando olho para esta pintura de Kandinsky.
O quadro era o mesmo, os elementos eram os mesmos, o dia era o mesmo, o tempo de observação era o mesmo e as interpretações não podiam ser mãos diferentes. É isto o abstraccionismo. É desta forma que os elementos básicos da comunicação visual conseguem, efectivamente, comunicar visualmente com os observadores.
Para Kandinsky, “a forma abstracta, porque se dirige à percepção sensorial comum à espécie humana, é, tal como a música, uma linguagem universal”, daí ter categorizado algumas das suas obras como ensaios, improvisações e composições. “As abstracções de forma e de cor, tal como a música, actuam directamente na alma”:
(…)
As duas emoções serão semelhantes e equivalentes na medida em que a obra de arte (elemento exterior) é bem-sucedida. Nesse aspecto a pintura não é diferente da música: ambas constituem uma comunicação.
(…)
O elemento interno, isto é, a emoção deve existir; caso contrário a obra de arte é uma impostura. O elemento interno determina a forma da obra de arte”.
Do lado esquerdo, predominam linhas mais finas, mais leves. À medida que observamos o lado direito, estas linhas tornam-se mais carregadas, mais expressivas, destacando-se aquela linha preta que serpenteia este lado do quadro e lhe confere mais dinamismo e movimento, assim como a diagonal situada à esquerda desta.
Quanto às formas, embora todas sejam geométricas, do lado esquerdo, encontram-se mais quadrados e rectângulos de várias dimensões, ângulos rectos e linhas curvas que “cortam” linhas rectas, também linhas de direcção horizontal e vertical ou diagonais pouco marcadas. Do lado direito, as formas são mais circulares e não tão rígidas, aumentando de tamanho desde a parte central da tela até à sua extremidade, sugerindo um movimento ascendente.
As cores têm um papel preponderante nesta tela. Como o próprio título indica, da esquerda para a direita, passa-se do amarelo, para o vermelho e por último para o azul. O amarelo confere mais luz ao quadro, destacando as formas geométricas anteriormente descritas e fazendo com que esta seja, talvez, a parte do quadro que primeiro chama a nossa atenção. Na parte central do quadro está o vermelho que parece fazer a ponte entre o amarelo e o azul. A parte azul é a parte mais forte do quadro, mas também a mais escura. Neste lado, as formas são mais circulares e as cores variam entre o cor-de-rosa e o roxo, as linhas são mais espessas e a sua direcção confere mais movimento a esta parte do quadro, sendo que o lado esquerdo parece mais estático.
Assim, (segundo a minha interpretação) passamos progressivamente de um lado esquerdo estático para um lado direito mais dinâmico e fluído, onde as forma e a espessura e o trajecto das linhas representadas nos transmitem a sensação de uma certa musicalidade. O vermelho, no centro, é fundamental, juntamente com o amarelo, o azul e o roxo como cores de fundo, permitindo uma harmonia e até sintonia entre o amarelo e o azul, ou seja, fazendo com que não haja, para o observador, um corte demasiado violento entre as duas dinâmicas distintas, mas sim, pelo contrário, que, da esquerda para a direita, se caminhe suavemente do amarelo até ao azul. O mesmo grau de importância têm ainda os dois maiores círculos (ou os dois maiores pontos) presentes na tela, um na parte central superior e outro, mais pequeno, na parte inferior direita. Parecem estar ali também para equilibrar os dois lados, como mais um elemento de união entre as duas partes, ou não fossem os círculos o símbolo da perfeição e da harmonia.
E foi assim que encontrei os elementos básicos na pintura de Kandinsky e percebi que não são precisos objectos concretos para que estes consigam comunicar visualmente connosco, criando-nos várias imagens mentais que variam consoante a nossa própria interpretação.
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